Às 5h da manhã o relógio desperta, Simonídio Rosa se arruma e reforça
no café da manhã. É sozinho e carregando uma mochila, que pega o ônibus
coletivo em Cuiabá, desce no terminal, e enfrenta mais um ônibus que vai
deixá-lo em uma esquina próxima à escola. Essa é a rotina normal de
muitos estudantes; a única diferença, neste caso, é que o aluno tem 101
anos. "Eu quero é aprender", afirma o aposentado que decidiu voltar à
sala de aula e romper os limites da idade.
Morador da capital, Simonídio participa diariamente de um curso de
educação para jovens e adultos não alfabetizados. Nem mesmo a distância
ou o problema de visão que possui o impedem de ser um aluno frequente.
“A coisa mais triste na vida é não saber ler. Quem não sabe ler é como
alguém que não fala. Eu já aprendi a escrever o meu nome”, comemora.
“Não gosto de chegar atrasado. E tenho que pegar dois ônibus, por isso
saio cedo de casa para não perder a hora da escola e nem do ônibus”. A
residência fica no bairro Umuarama e a Escola Estadual Almira Amorim, no
bairro CPA III, onde estuda das 7h às 11h.
Simonídio conta que estuda há mais de dois anos e aprendeu a escrever o
seu nome completo. Porém, já consegue ler várias palavras escritas com
letras grandes já que enfrenta dificuldades por conta de problemas na
visão. Com o bom humor sendo uma das suas principais características,
Simonídio rebate em seguida: “Vou fazer o que em casa? Tenho problemas,
enfrento e amo demais estar aqui [na escola]”.
O importante é não depender de ninguém. Faço tudo sozinho"
Simonídio Rosa
Orgulhoso, conta que é o aluno mais velho da escola e que nasceu em em
13 de julho de 1911. Contudo, ressalta que perdeu o registro de
identidade original emitido no Rio de Janeiro e ao solicitar a emissão
de um novo documento, em Várzea Grande, não percebeu que o registraram
com a data de 13 de julho de 1941.
A sala de aula é composta por alunos jovens, idosos e também
deficientes. Para o idoso, a integração é o seu grande estímulo nas
aulas que são direcionadas para cada um de acordo com as necessidades.
“Eles me respeitam, me tratam muito bem. Só não gosto de bagunça na
sala”, diz aos risos.
Nascido no Rio de Janeiro, criado na roça, o aposentado foi para Mato
Grosso na década de 70 para trabalhar e deixou oito irmãos no RJ. Já
casou duas vezes, não tem filhos, mas criou quatro enteados e tem duas
netas. Atualmente mora com a esposa Ana Maria, de 50 anos, e um enteado
de 20 anos.
A motivação em enfrentar uma sala de aula, destaca Simonídio, vem da
vontade em “adquirir sabedoria, conhecimento e ser pastor”. Há 50 anos
ele é evangélico e não perde também nenhuma aula da escola bíblica que
ocorre na igreja aos domingos pela manhã.
A independência também integra sua vontade em enfrentar os desafios que
a idade lhe impõe. “O importante é não depender de ninguém. Vou ao
banco, supermercado, pego ônibus e pago as minhas continhas. Faço tudo
sozinho”.
Por outro lado, o aposentado confirma que não são todos que apóiam a
sua jornada de estudante e alguns até o criticam. Ele diz que familiares
afirmam que está “andando à toa por aí. Já outros são por medo de
acontecer algo”. Isso porque, há alguns anos, o aposentado foi
atropelado em
Cuiabá e passou por cirurgias que culminaram em problemas de saúde que ele sofre até hoje.
Mas, com 101 anos muito bem vividos, alguns sonhos ainda não se
perderam no caminho. Simonídio Rosa ainda tem vontade de ter um filho e
se reencontrar com a família que deixou no Rio de Janeiro, com a qual
diz ter tido o último contato em 1991. Questionado sobre o que ainda
falta em sua vida ou a principal meta antes de morrer, o aposentado não
tem dúvida: “Um bom estudo, casa, e dinheiro na conta”.
A professora Bertulina Miranda observa que o histórico do centenário
tem servido de referência para muitos alunos que pensam em abandonar a
sala de aula e até mesmo como desafio no ensino. Ela ressalta que o
trabalho é feito conforme a realidade de cada aluno e isso trazido bons
resultados.
(Foto: Kelly Martins/G1)